Há muito tempo nos contaram que somos pessoas livres, que temos
livre arbítrio, entre outras afirmações com mesmo significado. E, com a
massificação da busca por liberdade nos últimos tempos, a ideia de ser livre é
um tema que enche os olhos de muitos de nós, não dá para negar.
O caso é que estudos como a Psicanálise, a Psicologia Cognitiva, a Psicologia Social, a Neurociência e vários estudiosos como Groddeck, Reich, Jung, Freud, Keleman, Libet, Sheldrake, Kahneman, Damásio, entre muitos outros, nos dizem que entre 80 e 95% de nossas decisões (de nossas vontades, desejos, atitudes, ações, impulsos) não têm nossa consciência no comando. Por conta disso, não podemos avaliar o resultado antes de agir, mas isso não nos livra do facto de termos que arcar com as consequências de nossos atos.
E arcar com as consequências daquilo que escolhemos fazer de forma quase inconsciente, sem dúvida, é a pior parte. Porque, além de não termos ciência total dos nossos atos, não avaliamos totalmente o que esses atos vão nos gerar de consequências, e ainda sofremos essas consequências inconscientes também. Ou seja, só somos conscientes mesmo da dor das consequências!
Então, onde está a liberdade?
Depois que me embrenhei pelos caminhos da Psicanálise
Corporal, da Psicologia Formativa, da Teoria dos Sistemas, da Epigenética, da
Teoria dos Traumas Transgeracionais, entre outros estudos relacionados à
interação corpo/mente, muitos de meus questionamentos foram respondidos e,
assim, muitas de minhas opiniões e pensamentos acerca da vida humana foram sendo
modificadas. Boa parte dessas modificações, muito provavelmente, não terão
volta, não terão retorno.
Mas, porque eu estou tratando desses assuntos todos? Porque
hoje eu recebi um vídeo por mensagem. E eu vou precisar desses e de muitos outros
estudos para falar sobre algumas situações que eu percebi nele. Bem, o vídeo tratava
da necessidade/decisão de distanciamento da família por falta/ausência de
afinidade: uma pessoa que se dizia não ter mais afinidade com os membros da
família, sugeria que, quem sofresse o mesmo drama, fizesse o que ele decidiu
fazer: se distanciar da família.
Veja bem, ninguém falou em maus tratos, ninguém falou em
abuso, ninguém falou de desrespeito, nem de violência, enfim, ninguém falou do sofrimento
de um em detrimento da atitude do outro dentro de uma família. Falou-se em
distanciamento por falta de afinidade.
De forma alguma eu estou desconsiderando situações em que uma pessoa precisa tomar distância dos familiares porque a convivência com eles lhe traz algum dano. O caso é que as redes sociais e o prazer imediato tem reduzido absurdamente a nossa tolerância. Por conta disso, o vídeo em questão me fez pensar em egoísmo, egocentrismo, falta de autoestima, falta de amor-próprio, de auto aceitação, vitimismo, falta de coragem de encarar o mundo após fazermos a nossas escolhas, arrogância, prepotência... Mas, principalmente, eu pensei que somos influenciáveis demais para sermos livres.
Eu comecei esse texto porque alguém disse no
vídeo que via os membros da família como diferentes dele, e que a
solução para isso era se distanciar. Bom, se a minha família é diferente de mim,
isso me torna diferente da minha família, nos tornando todos diferentes. E aí
eu pergunto: que mal existe em ser diferente? Será que estamos esquecendo que é
graças ao diferente que nós existimos?
Se o problema é esquecimento ou falta de consciência, então deixa eu relembrar: você existe porque o seu pai, uma pessoa completamente diferente da sua mãe, se uniu a ela e, dessa união, nasceu você. E assim foi com todos os outros seres humanos na terra. Essa união do diferente começou com nossos ancestrais, sabe-se lá quanto tempo atrás até chegar a nós, os “diferentões do século XXI”, que resolveram agora que, por serem diferentes, já não podem conviver com outros diferentes.
E vamos conviver com quem, se somos
todos diferentes uns dos outros?
Ou você não se deu conta de que não existe ninguém igual a
você no mundo? Não existe, não existiu e nem irá existir.
Será que o nosso desejo de exclusividade é tão grande assim?
Tão grande que nos venda os olhos para os que deram origem a essa vida
exclusiva? Se você é tão exclusivo, afinal, é graças a quem? Graças a quem, hoje, você precisa se distanciar porque não tem o quê? Afinidade... E desde quando uma
árvore não tem afinidade com a própria raiz?
Sabe o que nos faz arrogantes assim? O medo!
O medo de não ser validado, acolhido, considerado, concordado, escolhido, amado, ouvido, entendido, aceito... O desejo de ser aprovado nos guia em nossas escolhas. Nossos traumas nos fazem carentes de aprovação. E, se não somos aprovados, considerados, vistos, nós fazemos o quê? Nos distanciamos. E, com os olhos só em nosso próprio umbigo, vamos em busca de quem nos enalteça.
Só que, se estamos
buscando tudo fora, é porque não existe dentro. Quem sofre à espera de ser
valorizado ainda não aprendeu a dar valor a si mesmo, por isso depende do
valor, do amor, da consideração do outro.
O imediatismo da vida moderna e das redes sociais estão nos fazendo menos tolerantes, impacientes, procrastinadores, distraídos, com atenção seletiva e desejosos de prazer imediato... Conviver com a família só vale a pena por aquele tempo no estúdio fotográfico para as fotos de fim de ano que serão postadas nas redes sociais para obter um pouco mais de prazer imediato por meio dos likes recebidos.
Se você não reconhece a própria exclusividade (que é óbvia,
porque não existe ninguém como você, portanto, todos os outros são diferentes),
você vai passar a vida buscando quem te enalteça, quem concorde com você, quem
se vista igual para que você se sinta validado, quem concorde com as suas
opiniões... Daí passa a vida querendo que alguém te enxergue em função da própria
incapacidade de se enxergar. Vai ficar buscado grupos por afinidade, mas,
ainda assim, perdido, porque uma árvore pode até se livrar dos galhos, mas não tem vida sem suas raízes.
Sua origem é você porque você é sua origem. Então, antes de dizer que não existe afinidade, que o assunto não flui... Observe se o problema não é você, querendo ser visto, aceito, olhado, escolhido, validado, querendo ser pejorativamente exclusivo (o alecrim dourado da história), mas sem olhar para ninguém.
Aproveite a existência de sua origem e vá descobrir quem você é. Há mais de sua origem em você do que pode sonhar o seu individualismo. Se você não consegue conviver com sua família por falta de afinidade, afine-se antes com você.
"O que negas te subordina, o que aceitas te transforma", (Carl Gustav Jung).
Será que você é livre para decidir não conviver com a sua família? Ou está sendo levado pela necessidade de ser exclusivo, de receber likes nas redes sociais, ou pela vontade de ser considerado "resolvido" porque deixou a família e foi morar sozinho?
A sua família é diferente e por isso tem que ser deixada.
Já você, porque é diferente, tem que ser ouvido, olhado, aclamado, considerado. Do contrário, você se distancia.
Que lógica é essa?